1.11.06

Vídeo sobre Opus Dei - Rede Vida

"Especial sobre o Opus Dei - Encontrando a Deus no trabalho e na vida cotidiana

A Rede Vida de Televisão transmitiu um Programa Especial sobre o Opus Dei, com depoimentos de fiéis, amigos e Cooperadores da Prelazia. O objetivo do programa foi esclarecer e informar, uma vez mais, a natureza, a mensagem e os fins dessa instituição da Igreja Católica, através de depoimentos".


http://www.opusdei.org.br/art.php?p=19551

Discurso do Papa

"No recente episódio que envolveu uma preleção do Papa Ratzinger aos acadêmicos da Universidade de Regensburg, o Sumo Pontífice aparece como réu e o Islã como acusador. ORA, AO REAGIR COM VIOLÊNCIA A UMA SUPOSTA ACUSAÇÃO DE VIOLÊNCIA, OS FIÉIS DO ALCORÃO ACABARAM DANDO RAZÃO AO PONTO DE VISTA DE UM IMPERADOR MEDIEVAL. COMPORTARAM-SE CONFORME O FIGURINO QUE PRETENDIAM RECUSAR".

Fonte: O Lutador 11/2006 - Carlos Scheid

2.10.06

Discurso Polêmico de Bento XVI

O Papa Bento XVI fala aqui como filósofo que é e dá uma aula dirigida a intelectuais. Muitos do mundo muçulmano se manifestaram furiosos com sua citação de Manuel II, pensando que fossem palavras suas. Mais um exemplo do uso do texto fora de contexto (antes da existência de qualquer tradução ao árabe, quantos puderam ler no original em alemão?). Todavia há aqueles que condenam qualquer atitude do papa-filósofo. A velha história: "Estando quieto já está errado!"

Eis a Aula Magna que deveria ser estudada e refletida e não causar polêmica e protestos infundados. Há algumas falhas de pontuação e tradução (Acho que foi feito às pressas). Na tradução espanhola há um post-scriptum afirmando que é uma versão provisória, que o Santo Padre quer publicar uma versão com notas.

FONTE: Site do Vaticano

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA BENTO XVI
A MÜNCHEN, ALTÖTTING E REGENSBURG
(9-14 DE SETEMBRO DE 2006)

DISCURSO DO SANTO PADRE
AOS REPRESENTANTES DO MUNDO CIENTÍFICO
E CULTURAL DA BAVIERA NA AULA MAGNA
DA UNIVERSIDADE DE REGENSBURG

Terça-feira, 12 de Setembro de 2006

"Fé, razão e universidade. Recordações e reflexões"

Eminências
Magnificências
Excelências
Ilustres Senhores
Gentis Senhoras

É para mim um momento emocionante encontrar-me de novo na universidade e poder mais uma vez pronunciar uma lição. Os meus pensamentos, contemporaneamente, voltam àqueles anos em que, depois de um grande período passado no Instituto superior de Freising, comecei a minha actividade de professor académico na universidade de Bonn. Era em 1959 ainda o tempo da velha universidade dos professores ordinários. Para cada uma das cátedras não existiam nem assistentes nem dactilógrafos, mas em compensação havia um contacto muito directo com os estudantes e sobretudo também entre os professores. Encontrávamo-nos antes e depois das lições nas salas dos professores. Os contactos com os historiadores, os filósofos, os filólogos e naturalmente também entre as duas faculdades teológicas eram muito estreitos. Uma vez por semestre fazia-se o chamado dies academicus, no qual professores de todas as faculdades se apresentavam diante dos estudantes de toda a universidade, tornando assim possível uma experiência de universitas uma coisa à qual também o Senhor, Magnífico Reitor, se referiu há pouco isto é, a experiência, o facto de que nós não obstante todas as especializações, que por vezes nos tornam incapazes de comunicar entre nós, formamos um todo e trabalhamos no todo da única razão com as suas várias dimensões, estando assim juntos também na responsabilidade comum pelo recto uso da razão este facto torna-se experiência viva.

Sem dúvida, a universidade era orgulhosa também das suas duas faculdades teológicas. Era claro que também elas, interrogando-se sobre a racionalidade da fé, desempenham uma obra que necessariamente faz parte do "todo" da universitas scientiarum, mesmo se nem todos podiam partilhar a fé, para cuja co-relação com a razão comum se comprometem os teólogos. Esta unidade interior no universo da razão não foi perturbada nem sequer quando certa vez filtrou a notícia de que um dos colegas dissera que na nossa universidade havia algo de anormal: duas faculdades que se ocupavam de uma coisa que não existia de Deus. Que mesmo perante um cepticismo tão radical seja necessário e normal interrogar-se sobre Deus através da razão e isto deva ser feito no contexto da tradição da fé cristã: no conjunto da universidade, isto era uma convicção fora de questão.

Tudo me voltou à mente, quando li a parte publicada pelo professor Theodore Khoury (Münster) do diálogo que o douto imperador bizantino Manuel II, Paleólogo, talvez durante os meses do Inverno de 1391 em Ankara, teve com um persa culto sobre cristianismo e islão e sobre a verdade de ambos. Talvez tenha sido depois o próprio imperador quem escreveu, durante o assédio de Constantinopla entre 1394 e 1402, este diálogo; explica-se assim por que os seus raciocínios sejam referidos de modo muito mais pormenorizado do que os do seu interlocutor persa. O diálogo alarga-se sobre todo o âmbito das estruturas da fé contidas na Bíblia e no Alcorão e detém-se sobretudo sobre a imagem de Deus e do homem, mas necessariamente também sempre de novo sobre a relação entre as como se dizia três "Leis" ou três "ordens de vida": Antigo Testamento, Novo Testamento, Alcorão. Não desejo falar disto nesta lição; gostaria de tratar só um assunto bastante marginal na estrutura de todo o diálogo que, no contexto do tema "fé e razão", me fascinou e me servirá como ponto de partida para as minhas reflexões sobre este tema.

No sétimo colóquio (διάλεξις, controvérsia) publicado pelo Prof. Khoury, o imperador enfrenta o tema da jihād, da guerra santa. Certamente o imperador sabia que na sua sura 2, 256 se lê: "Nenhuma coacção nas coisas de fé". É uma das suras do período inicial, dizem os peritos, em que o próprio Maomé ainda não tinha poder e estava ameaçado. Mas, naturalmente, o imperador conhecia também as disposições, desenvolvidas sucessivamente e fixadas no Alcorão, sobre a guerra santa.

Sem se deter em pormenores, como a diferença de tratamento entre os que possuem o "Livro" e os "incrédulos" ele, de modo tão brusco que nos surpreende, dirige-se ao seu interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião e violência em geral, dizendo: "Mostra-me também o que Maomé trouxe de novo, e encontrarás apenas coisas más e desumanas, como a sua ordem de difundir através da espada a fé que ele pregava".

O imperador, depois de se ter pronunciado de modo tão duro, explica minuciosamente as razões pelas quais a difusão da fé mediante a violência é irracional. A violência está em contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma. "Deus não se apraz com o sangue diz ele não agir segundo a razão "σὺν λόγω", é contrário à natureza de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Por conseguinte, quem quiser levar alguém à fé precisa da capacidade de falar bem e de raciocinar correctamente, e não da violência e da ameaça... Para convencer uma alma racional não é necessário dispor nem do próprio braço, nem de instrumentos para ferir nem de qualquer outro meio com o qual se possa ameaçar de morte uma pessoa...".

A afirmação decisiva nesta argumentação contra a conversão mediante a violência é: não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. O editor, Theodore Khoury, comenta: para o imperador, sendo um bizantino que cresceu na filosofia grega, esta afirmação é evidente. Para a doutrina muçulmana, ao contrário, Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está relacionada com nenhuma das nossas categorias, mesmo que fosse a da racionalidade. Neste contexto Khoury cita uma obra do conhecido islamita francês R. Arnaldez, o qual ressalta que Ibn Hazm chega a declarar que Deus não estaria relacionado nem sequer com a sua própria palavra e que nada o obrigaria a revelar a nós a verdade. Se fosse a sua vontade, o homem deveria praticar também a idolatria.

A este ponto abre-se, na compreensão de Deus e por conseguinte na realização concreta da religião, um dilema que hoje nos desafia de maneira muito directa. A convicção de que agir contra a razão esteja em contradição com a natureza de Deus, é apenas um pensamento grego ou é sempre válido e por si mesmo? Penso que neste ponto se manifeste a profunda concordância entre o que é grego no sentido melhor e o que é fé em Deus sobre o fundamento da Bíblia. Modificando o primeiro versículo do Livro do Génesis, o primeiro versículo de toda a Sagrada Escritura, João iniciou o prólogo do seu Evangelho com as palavras: "No princípio era o λόγος". É precisamente esta a mesma palavra que o imperador usa: Deus age "σὺν λόγω", com logos. Logos significa ao mesmo tempo razão e palavra uma razão que é criadora e capaz precisamente de se comunicar mas como razão. Com isto João deu-nos a palavra conclusiva sobre o conceito bíblico de Deus, a palavra na qual todos os caminhos muitas vezes cansativos e sinuosos da fé bíblica alcançam a sua meta, encontram a sua síntese.

No princípio era o logos, e o logos é Deus, diz-nos o evangelista. O encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento grego não era um simples caso. A visão de São Paulo, diante da qual se tinham fechado os caminhos da Ásia e que, em sonho, viu um Macedónio e ouviu a sua súplica: "Vem para a Macedónia e ajuda-nos" (cf. Act 16, 6-10) esta visão pode ser interpretada como uma "condensação" da necessidade intrínseca de uma aproximação entre fé bíblica e o interrogar-se grego.

Na realidade, esta aproximação já tinha sido iniciada desde há muito tempo. Já o nome misterioso de Deus na sarça ardente, que afasta este Deus do conjunto das divindades com numerosos nomes afirmando apenas o seu "Eu sou", o seu ser, é, em relação ao mito, uma contestação com a qual está em íntima analogia a tentativa de Sócrates de vencer e superar o próprio mito. O processo iniciado na sarça alcança, no Antigo Testamento, uma nova maturidade durante o exílio, onde o Deus de Israel, agora privado da Terra e do culto, se anuncia como o Deus do céu e da terra, apresentando-se com uma simples fórmula que prolonga a palavra da sarça: "Eu sou".

Com este novo conhecimento de Deus caminha em sintonia uma espécie de iluminismo, que se expressa de maneira drástica no escárnio das divindades que seriam apenas obra das mãos do homem (cf. Sl 115). Assim, não obstante toda a dureza do desacordo com os soberanos helenistas, que queriam obter com a força a adaptação ao estilo de vida grego e ao seu culto idolátrico, a fé bíblica, durante a época helenista, ia interiormente ao encontro da parte melhor do pensamento grego, até chegar a um contacto recíproco que depois se realizou especialmente na literatura sapiencial tardia.

Hoje nós sabemos que a tradução grega do Antigo Testamento, realizada em Alexandria a "Septuaginta" é mais que uma simples tradução (que talvez se deva avaliar de modo pouco positivo) do texto hebraico: de facto, é um testemunho textual distinto e um especifico e importante passo da história da Revelação, no qual se realizou este encontro de uma forma que para o nascimento do cristianismo e para a sua divulgação teve um significado decisivo. No fundo, trata-se do encontro entre fé e razão, entre autêntico iluminismo e religião. Partindo verdadeiramente da natureza íntima da fé cristã e, ao mesmo tempo, da natureza do pensamento grego já fundido com a fé, Manuel II podia dizer: Não agir "com o logos" é contrário à natureza de Deus.

Honestamente é preciso anotar a este ponto que, no final da Idade Média, se desenvolveram na teologia tendências que rompem esta síntese entre espírito grego e espírito cristão. Em contraste com o chamado intelectualismo agostiniano e tomista iniciou com Duns Scott uma orientação voluntária, a qual no fim, nos desenvolvimentos sucessivos, levou à afirmação de que nós de Deus só conheceremos a voluntas ordinata. Para além dela existiria a liberdade de Deus, em virtude da qual Ele teria podido criar e fazer também o contrário de tudo o que efectivamente fez.

Aqui vêem-se posições que, sem dúvida, se podem aproximar às de Ibn Hazm e poderiam conduzir até à imagem de um Deus-Arbítrio, que não está relacionado nem com a verdade nem com o bem. A transcendência e a diversidade de Deus são acentuadas de modo tão exagerado, que também a nossa razão, o nosso sentido do verdadeiro e do bem já não são um verdadeiro espelho de Deus, cujas possibilidades abismais permanecem para nós eternamente inalcançáveis e escondidas por detrás das suas decisões efectivas.

Em contraste com isto, a fé da Igreja sempre se ateve à convicção de que entre Deus e nós, entre o seu eterno Espírito criador e a nossa razão criada exista uma verdadeira analogia, na qual como disse o Concílio Lateranense IV em 1215 sem dúvida as diferenças são infinitamente maiores que as semelhanças, mas contudo não até ao ponto de abolir a analogia e a sua linguagem. Deus não é mais divino pelo facto de que o afastamos para longe de nós num voluntarismo puro e impenetrável, mas o Deus verdadeiramente divino é aquele Deus que se mostrou como logos e como logos agiu e age cheio de amor em nosso favor. Sem dúvida, o amor, como diz Paulo, "ultrapassa" o conhecimento e é por isto capaz de compreender mais do que o simples pensamento (cf. Ef 3, 19), contudo ele permanece o amor do Deus-Logos, para o qual o culto cristão é, como diz ainda Paulo "λογικη λατρεία" um culto que concorda com o Verbo eterno e com a nossa razão (cf. Rm 12, 1).

A aqui mencionada recíproca aproximação interior, que se teve entre a fé bíblica e o interrogar-se sobre o plano filosófico do pensamento grego, é um elemento de importância decisiva não só sob o ponto de vista da história das religiões, mas também sob o ponto de vista da história universal um elemento que nos compromete também hoje. Considerado este encontro, não surpreende que o cristianismo, apesar da sua origem e de alguns seus desenvolvimentos importantes no Oriente, tenha por fim encontrado a sua marca historicamente decisiva na Europa. Podemos expressar isto também inversamente: este encontro, ao qual se acrescenta sucessivamente ainda o património de Roma, criou a Europa e permanece o fundamento do que, com razão, se pode chamar Europa.

À tese que o património grego, criticamente purificado, seja uma parte integrante da fé cristã, opõe-se o requerimento da deselenização do cristianismo um requerimento que desde o início da idade moderna domina de modo crescente a pesquisa teológica. Visto mais de perto, podem-se observar três ondas no programa da deselenização: apesar de estarem relacionadas entre si, elas nas suas motivações e nos seus objectivos são claramente distintas uma da outra.

A deselenização emerge primeiro em ligação com os postulados da Reforma do século XVI. Considerando a tradição das escolas teológicas, os reformadores vêem-se diante de uma sistematização da fé condicionada totalmente pela filosofia, isto é, perante uma determinação da fé a partir de fora em virtude de um modo de pensar que não derivava dela. Assim a fé já não se apresentava como palavra histórica viva, mas como elemento inserido na estrutura de um sistema filosófico.

A sola Scriptura ao contrário procura a forma pura primordial da fé, do modo como está presente originariamente na Palavra bíblica. A metafísica aparece como um pressuposto derivante de outra fonte, da qual é necessário libertar a fé para a fazer voltar a ser totalmente ela mesma. Com a sua afirmação de ter que pôr de lado o pensar para dar espaço à fé, Kant agiu com base neste programa com uma radicalidade imprevisível para os reformadores. Com isto ele ancorou a fé exclusivamente à razão prática, negando-lhe o total acesso à realidade.

A teologia liberal dos séculos XIX e XX trouxe uma segunda onda no programa da deselenização: seu representante eminente é Adolf von Harnack. Durante o tempo dos meus estudos, como nos primeiros anos da minha actividade académica, este programa era fortemente operante também na teologia católica. Como ponto de partida era feita a distinção de Pascal entre o Deus dos filósofos e o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. No meu discurso em Bonn, em 1959, procurei enfrentar este assunto e não pretendo retomar aqui todo o discurso. Mas gostaria de tentar ressaltar pelo menos em síntese a novidade que caracterizava esta segunda onda de deselenização em relação à primeira.

Como pensamento central sobressai, em Harnack, o regresso simplesmente ao homem Jesus e à sua mensagem simples, que viria antes de todas as teologizações e, precisamente, também antes das helenizações: seria esta mensagem simples que constituiria o verdadeiro ápice do desenvolvimento religioso da humanidade. Jesus teria dado um adeus ao culto em favor da moral. Em conclusão, Ele é representado como pai de uma mensagem moral humanitária.

A finalidade de Harnack no fundo é reconduzir o cristianismo em harmonia com a razão moderna, libertando-o, precisamente, de elementos aparentemente filosóficos e teológicos, como por exemplo a fé na divindade de Cristo e na trindade de Deus.

Neste sentido, a exegese histórico-crítica do Novo Testamento, na sua visão, coloca novamente a teologia no cosmos da universidade: teologia, para Harnack, é algo essencialmente histórico e, portanto, estrictamente científico. O que ela indaga sobre Jesus mediante a critica é, por assim dizer, expressão da razão prática e por conseguinte também sustentável no conjunto da universidade. Na base encontra-se a autolimitação moderna da razão, expressa de maneira clássica nas "críticas" de Kant, que entretanto foi ulteriormente radicalizada pelo pensamento das ciências naturais. Este conceito moderno da razão baseia-se, em síntese, num resumo entre platonismo (cartesianismo) e empirismo, que o sucesso técnico confirmou.

Por um lado pressupõe-se a estrutura matemática da matéria, a sua por assim dizer racionalidade intrínseca, que torna possível compreendê-la e usá-la na sua eficiência concreta: este pressuposto básico e, por assim dizer, o elemento platónico no conceito moderno da natureza. Por outro lado, trata-se da utilizabilidade funcional da natureza para as nossas finalidades, onde só a possibilidade de controlar verdade ou falsidade mediante a experiência fornece a certeza decisiva. O peso entre os dois pólos pode, segundo as circunstâncias, estar mais de uma ou mais da outra parte. Um pensador tão estreitamente positivista como J. Monod declarou-se platónico convicto.

Isto exige duas orientações fundamentais decisivas para a nossa questão. Só o tipo de certezas derivantes da sinergia de matemática e empírica nos permite falar de cientificidade. O que pretende ser ciência deve confrontar-se com este critério. E assim também as ciências que se referem às coisas humanas, como a história, a psicologia, a sociologia e a filosofia procuravam aproximar-se deste cânone da cientificidade. Contudo, é importante para as nossas reflexões o facto de que o método como tal exclui o problema Deus, apresentando-o como um problema acientífico ou pré-científico. Portanto, com isto encontramo-nos diante de uma redução do leque de ciência e razão que é obrigatório pôr em questão.

Voltarei ainda sobre este assunto. Neste momento é suficiente ter presente que, numa tentativa de conservar o carácter de disciplina "científica" da teologia à luz desta perspectiva, do cristianismo restaria apenas um miserável fragmento. Mas devemos dizer mais: se a ciência no seu conjunto é apenas isto, então é o próprio homem que, com isto, sofre uma redução. Mas as interrogações propriamente humanas, isto é, as do "de onde" e do "para onde", os questionamentos da religião e do ethos, não podem encontrar lugar no espaço da razão comum descrita pela "ciência" entendida deste modo e devem ser deslocados no âmbito do subjectivo. O sujeito decide, com base nas suas experiências, o que lhe parece religiosamente sustentável, e a "consciência" subjectiva torna-se portanto a única exigência ética.

Mas, desta forma o ethos e a religião perdem a força de criar uma comunidade e terminam no âmbito da discricionalidade pessoal. Esta é uma condição perigosa para a humanidade: verificamos isto nas patologias ameaçadoras da religião e da razão patologias que necessariamente devem manifestar-se, quando a razão é limitada a tal ponto que as questões da religião e do ethos já não lhe dizem respeito. O que permanece das tentativas de construir uma ética partindo das regras da evolução ou da psicologia e da sociologia, é simplesmente insuficiente.

Antes de chegar às conclusões que todo este raciocínio tem por finalidade, devo mencionar ainda em breve a terceira onda de deselenização que se difunde actualmente. Em consideração do encontro com a multiplicidade das culturas hoje há quem goste de dizer que a síntese com o helenismo, realizada na Igreja antiga, teria sido uma primeira inculturação, que não deveria vincular as outras culturas. Isto deveria ter o direito de retroceder até ao ponto que precedia aquela inculturação para descobrir a simples mensagem do Novo Testamento e inculturá-la depois novamente nos seus respectivos ambientes.

Esta tese não é simplesmente errada; contudo é grosseira e imprecisa. De facto, o Novo Testamento foi escrito em grego e tem em si o contacto com o espírito grego um contacto que se tinha maturado no desenvolvimento precedente do Antigo Testamento. Sem dúvida existem elementos no processo formativo da Igreja antiga que não devem ser integrados em todas as culturas. Mas as decisões de fundo que, precisamente, se referem ao relacionamento da fé com a investigação da razão humana, estas decisões de fundo pertencem à própria fé e são os seus desenvolvimentos, conformes com a sua natureza.

Com isto chego à conclusão. Esta tentativa, feita apenas em linhas gerais, de crítica da razão moderna a partir do seu interior, não inclui absolutamente a opinião de que agora se deva voltar atrás, à época anterior ao iluminismo, rejeitando as convicções da era moderna. Aquilo que no desenvolvimento moderno do espírito é válido, é reconhecido sem hesitações: todos estamos gratos pelas grandiosas possibilidades que ele abriu ao homem e pelos progressos no campo humano que nos foram proporcionados. O ethos da cientificidade, afinal, é como Vossa Magnificência mencionou vontade de obediência à verdade e, por conseguinte, expressão de uma atitude que faz parte das decisões fundamentais do espírito cristão.

Por conseguinte, a intenção não é retracção, nem crítica negativa; ao contrário, trata-se de um alargamento do nosso conceito de razão e do seu uso. Porque com toda a alegria diante das possibilidades do homem, vemos também as ameaças que sobressaem destas possibilidades e devemos perguntar-nos como podemos dominá-las. Só o conseguiremos se razão e fé estiverem unidas de uma nova forma; se superarmos a limitação autodecretada da razão ao que é verificável na experiência, e lhe abrirmos de novo toda a sua vastidão. Neste sentido, a teologia, não só como disciplina histórica e humano-científica, mas como verdadeira teologia, ou seja, como interrogação sobre a razão da fé, deve ter o seu lugar na universidade e no amplo diálogo das ciências.

Só assim nos tornamos também capazes de um verdadeiro diálogo das culturas e das religiões um diálogo do qual temos urgente necessidade. No mundo ocidental domina amplamente a opinião de que só a razão positivista e as formas de filosofia dela derivantes sejam universais. Mas as culturas profundamente religiosas do mundo vêem precisamente nesta exclusão do divino da universalidade da razão um ataque às suas convicções mais íntimas. Uma razão, que diante do divino é surda e rejeita a religião do âmbito das subculturas, é incapaz de se inserir no diálogo das culturas.

Contudo, a razão moderna típica das ciências naturais, com o seu elemento platónico intrínseco, tem em si, como procurei demonstrar, uma pergunta que a transcende juntamente com as suas possibilidades metódicas. Ela mesma deve simplesmente aceitar a estrutura racional da matéria e a correspondência entre o nosso espírito e as estruturas racionais actuantes na natureza como um dado de facto, sobre o qual se baseia o seu percurso metódico. Mas a pergunta acerca do porque deste dado de facto existe e deve ser confiada pelas ciências naturais a outros níveis e modos do pensar à filosofia e à teologia.

Para a filosofia e, de maneira diferente, para a teologia, ouvir as grandes experiências e convicções das tradições religiosas da humanidade, especialmente a da fé crista, constitui uma fonte de conhecimento; recusar-se significaria uma limitação inaceitável do nosso ouvir e responder.

Vêm-me à mente a este ponto uma palavra de Sócrates a Fédon. Nos diálogos precedentes tinham sido tratadas muitas opiniões filosóficas erradas, e então Sócrates diz: "Seria muito compreensível se alguém, devido à irritação por tantas coisas erradas, para o resto da sua vida desprezasse qualquer discurso sobre o ser ou o denegrisse. Mas desta forma perderia a verdade do ser e sofreria um grande dano".

O ocidente, desde há muito tempo, está ameaçado por esta repulsa contra os questionamentos fundamentais da sua razão, e assim poderia sofrer unicamente um grande dano. A coragem de se abrir à vastidão da razão, não a rejeição da sua grandeza este é o programa com que uma teologia comprometida na reflexão sobre a fé bíblica, entra no debate do tempo presente. "Não agir segundo razão, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus", disse Manuel II, partindo da sua imagem cristã de Deus, ao interlocutor persa. Para este grande logos, para esta vastidão da razão, convidamos os nossos interlocutores no diálogo das culturas. Encontrá-la nós próprios sempre de novo, é a grande tarefa da universidade.

18.6.06

"Avis a cantu dignoscitur"

"Estou em dívida com Dan Brown"

Andrea Ermini, de 28 anos, trabalha em Florença (Itália). Há um ano leu “O Código Da Vinci” e ficou surpreso com o retrato que no romance se faz do Opus Dei. Pesquisou e... hoje pertence a essa instituição católica. “Graças a Dan Brown descobri a beleza da fé”, diz.

24 de maio de 2006

“A expressão ‘santificar o trabalho e a vida cotidiana’ atraiu-me, tocou-me o coração”.Andrea Ermini trabalha no departamento de Recursos Humanos de uma empresa florentina. Depois de ler “O Código Da Vinci”, ficou surpreso com o duro retrato que se faz do Opus Dei, uma instituição que faz parte da Igreja. “Aquilo me pareceu suspeito e decidi investigar”, explica.

Como você descobriu o Opus Dei?

Andrea: Ocorreu há já um ano e meio. Depois de ler “O Código Da Vinci”, achei estranho que algumas críticas dissessem que o Opus Dei era “uma estranha organização católica”, em que se utilizava de “lavagem cerebral” para recrutar membros, afeita ao sigilo e a práticas masoquistas. Tudo aquilo me pareceu muito suspeito e decidi investigar por minha conta. Parecia-me absurdo que a Igreja Católica pudesse aceitar em sua organização uma instituição desse tipo.

Comecei a procura da maneira mais simples: na internet, através do Google. Rapidamente encontrei o site da Obra. Depois, já com curiosidade, comprei o livro de São Josemaria com reflexões espirituais, chamado “Caminho”, e o li numa sentada.

Como era a sua vida cristã naquela época?

Andrea: Ia à Missa duas vezes ao ano: no Natal e na Páscoa. Ainda que não praticasse muito, tinha verdadeiro apreço pelo Papa e pela Igreja Católica em geral.

“A mudança mais radical ocorreu quando descobri que tinha que cuidar da minha ‘vida espiritual’ e que podia fazê-lo sabendo-me acompanhado por Deus em todos os momentos do dia”.E então, o que aconteceu?

Andrea: A curiosidade inicial transformou-se em um caminho de conversão muito mais profundo. Até então eu via a fé como algo antiquado, que não podia adaptar-se à minha vida, algo que se ajustava melhor às senhoras mais velhas, que podiam rezar continuamente o terço.

Por outro lado, a expressão “santificar o trabalho” atraiu-me, tocou-me o coração. Além disso, o estilo direto de “Caminho”, onde São Josemaria parece que nos fala diretamente, ajudou-me a refletir.

Pela internet, soube que o Opus Dei promovia iniciativas como o ELIS em Roma ou o IESE em Barcelona. A idéia de que pudessem unir o espírito cristão com o ensino numa escola de direção de empresas ou com o trabalho manual mais simples interessou-me muitíssimo.

Por fim, tomei a decisão de enviar um e-mail ao site do Opus Dei para solicitar um contato direto. Deram-me o endereço de um Centro - L’Accademia dei Ponti (Florença) –, onde comecei a ter direção espiritual com um sacerdote e onde conheci outras pessoas do Opus Dei.

Quais foram as outras etapas desse caminho?

Andrea: Comecei a rezar com mais freqüência e a assistir a diversas palestras de formação cristã organizadas pelo Opus Dei: o recolhimento espiritual uma vez ao mês, e a cada semana uma aula sobre algum tema de fé ou de virtudes. No dia 1º de novembro de 2005 fui nomeado "Cooperador do Opus Dei" e no dia 13 de maio passei a fazer parte da Obra.

A mudança mais radical ocorreu quando descobri que tinha que cuidar da minha “vida espiritual”, e que podia fazê-lo sabendo-me acompanhado por Deus em todos os momentos do dia. Já há algum tempo assisto à Missa e rezo o terço diariamente e isso me ajuda a “manter o rumo” e a alegria durante as minhas jornadas de trabalho.

Depois de tudo isso, qual a sua opinião sobre o “Código Da Vinci”?

Andrea: Se não fosse por Dan Brown, não teria redescoberto a beleza da fé e a minha vocação. Talvez o Senhor tivesse se servido de outros caminhos, sem dúvida, mas para mim aquilo começou com um enigma: uma descrição sinistra e obscura da Igreja Católica. Sem dúvida, tenho uma grande dívida com Dan Brown. E talvez não seja o único...

Fonte: site do Opus Dei

28.5.06

"O Código Da Vinci" ou "a Bíblia daqueles que leram um livro só"

Mais uma vez a formulinha "sexo e/ou anti-cristianismo = $$$money" é aplicada com sucesso. Dan Brown deve estar pulando de alegria (sobre um monte de dinheiro como o Tio Patinhas). Escrever um romance, uma ficção que tenha boa venda é legítimo. Usar a imaginação para criar outros mundos e realidades é legítimo e saudável. Porém, mesclar realidade e ficção sem distinção de limites já é outra coisa. Muitas pessoas desinformadas (e que, aparentemente, não querem se informar e refletir sobre os fatos) engolem e aceitam tudo como uma espécie de "dogma", por serem evidentemente contrários aos "dogmáticos" ignorantes... a eterna intolerância dos tolerantes com relação aos intolerantes...

Para quem só ouviu falar do Opus Dei através do livro (ou pior do filme) "O código Da Vinci" (que aliás já mostra a erudição do autor visto que "Da Vinci" não é sobrenome...), eis um sítio interessante sobre essa discreta instituição da Igreja Católica, cujo fundador cometeu o "crime" de difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasião de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade:

http://www.opusdei.com/

Veja também: http://www.veritatis.com.br/

4.3.06

Encíclica de Bento XVI já é best-seller

Encíclica de Bento XVI já é best-seller

A primeira encíclica de Bento XVI - "Deus Caritas est" - já vendeu um milhão e 115 mil cópias no circuito de livrarias leigas e religiosas, informa a Livraria Editora Vaticana. Publicada em 25 de janeiro, "Deus é Amor" encontra-se disponível em vários idiomas e em português no endereço: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est_po.html

Fonte: Agência Ecclesia

28.2.06

‘Joe nos ensinou que Deus é um chapa’

‘Joe nos ensinou que Deus é um chapa’

Fernando Duarte
Correspondente LONDRES


Durante quase 40 anos, Tony Hendra foi puramente associado à sátira e a iconoclastia inclementes, fosse nos palcos junto aos colegas de Universidade de Cambridge (entre eles John Cleese e Graham Chapman, que anos depois fariam parte do Monty Python) ou como fundador da “National Lampoon”, a seminal revista humorística americana. Até que, em 2004, o ator e humorista inglês lançou um livro em que nem mesmo confissões como a de duas tentativas de suicídio se mostraram tão surpreendentes como os relatos de uma inimaginável amizade com um monge beneditino de uma abadia da bucólica Ilha de Wight, no Reino Unido. Em “Frei Joe”, que chega ao Brasil pela Objetiva, Hendra não apenas relembra os diálogos com o monge que conheceu aos 14 anos, depois de flagrado numa mistura de iniciação sexual e adultério com uma vizinha mais velha. Ele também faz uma emocionante reflexão sobre a fé e os dilemas do catolicismo, que toma boa parte da entrevista concedida ao GLOBO, por telefone, de Nova York.

Por que publicar a história de sua amizade com Frei Joe?

TONY HENDRA: Já tinha conversado com Joe a respeito do livro um pouco antes de ele ficar doente de novo (Joe morreu em 1999, de um câncer reincidente). Seria uma espécie de trabalho a quatro mãos. Depois de Joe partir, porém, acho que meus motivos foram mais egoístas do que qualquer outra coisa. Percebi que ele tinha sido mais determinante em minha vida do que jamais tinha notado. Pensava que Joe jamais iria embora, e o vazio deixado por ele me inspirou a escrever o livro, minha tentativa infantil de ressurreição.

“Frei Joe” foi publicado numa época em que choviam denúncias e críticas contra a Igreja Católica, em especial sobre o comportamento nada santo de seus sacerdotes. O senhor temeu pelo tipo de recepção que o livro poderia ter?

HENDRA: Confesso que tive um pouco de medo, mas, quando comecei a receber e-mails de pessoas que nem se diziam católicas, descobri que o livro foi uma espécie de boa notícia para o catolicismo. O mais importante, no entanto, foi mostrar que Joe era muito mais autêntico do que muitos líderes cristãos que bombardeiam os americanos com imposições sobre a fé. Joe não queria evangelizar o mundo, mas cuidar dos temores e dos desafios da vida cotidiana. No fim das contas, acho que o livro fala muito numa variação da parábola do filho pródigo, que tem apelo mesmo para quem não é cristão.

O senhor faz críticas ao Concílio Vaticano II e às modificações provocadas na liturgia católica. Mas não concorda que tais mudanças propiciaram justamente um contato mais informal entre sacerdotes e fiéis?

HENDRA: Frei Joe já atuava dessa maneira muito antes do Concílio, sem hierarquizar as relações com os fiéis e defendendo uma democratização da Igreja. Sem falar que ele não bancava o santo — gostava de vinho e louras, por sinal! Admito que o Vaticano acertou ao estimular o acesso dos fiéis às congregações não somente por motivos religiosos, mas ao mesmo tempo discordo da maneira como tratou os aspectos litúrgicos. Trocar o canto gregoriano por guitarras na missa, por exemplo, em nada fez para trazer mais fiéis e foi muito mais um comprometimento da identidade católica do que um benefício. E não penso que a Igreja tenha se democratizado desde então.

O senhor consegue imaginar Frei Joe vivendo nos dias de hoje?

HENDRA: Sim, pois muita gente já teve um guia como ele em sua vida e, como conto no livro, o próprio Joe ( de acordo com Hendra, Lady Di foi uma das muitas pessoas aconselhadas pelo monge ). Mas é inegável que Joe foi único. Bastou constatar que, depois de sua morte, a casa de hóspedes da Abadia de Wight estava sempre com vagas, o que antes não acontecia. Joe tinha o dom de saber escutar e, mesmo sem ter sido canonizado, foi um santo para mim e muitos outros.

Quão surpreendente foi o sucesso do livro?

HENDRA: A primeira edição teve apenas 12 mil cópias, mas meses depois estávamos em primeiro lugar na lista de best-sellers do “New York Times”. Já me propuseram fazer um filme sobre Joe, mas só vai acontecer se eu tiver controle do projeto. Conheço Hollywood o suficiente para saber que, se vender os direitos, acabarei vendo Anthony Hopkins ou Al Pacino no papel do frei (risos).

No livro há vários exemplos de como Frei Joe aconselhou o senhor. Alguma dica para leitores que passem ou tenham passado pelas mesmas aflições?

HENDRA: Se meu livro impedir que alguém se jogue na frente de um trem, como tive vontade de fazer em alguns dos meus momentos de maior desespero, ficarei extremamente grato. Mas quem sou eu para dar conselhos? Apenas espero que as lições de Joe incentivem as pessoas a ter menos medo de Deus e da religião. Joe nos ensinou que Deus é um chapa.

Quanta falta Joe faz?

HENDRA: Sempre fará falta, mas ao menos me sinto privilegiado por ter encontrado em Joe a maior representação possível de Cristo. Ele foi a fé tangível.

Fonte: http://oglobo.globo.com/jornal/Suplementos/ProsaeVerso/191965782.asp

18.2.06

Ratzinger ou Bento?

Quem era Joseph Ratzinger, realmente? E quem é Bento XVI? Os dois são o mesmo homem? Ou alguma coisa mudou?

Dr. Robert Moynihan,

Inside Vatican
O Ano Passado e Este Ano
[Editorial de janeiro de 2006 de Inside the Vatican, pelo Dr. Robert Moynihan]


Nesta edição de Inside the Vatican, a foto da capa é do nosso "Homem do Ano", o Papa Bento XVI, caminhando em suas vestes papais brancas, acenando. Ele parece bastante feliz, alegre, sereno. Essa é talvez a coisa mais notável até o momento acerca de seu pontificado: que tem sido silencioso, sereno, até mesmo, poderia-se dizer, feliz.
Quem teria esperado isso? A "imagem" que o mundo tinha de Joseph Ratzinger o "Grande Inquisidor", a intransigente cabeça do antigo "Santo Ofício da Inquisição", foi totalmente despedaçada pela realidade de Bento. E assim nos deparamos com a questão da imagem e a substância, da aparência e a realidade.
Quem era Joseph Ratzinger, realmente? E quem é Bento XVI? Os dois são o mesmo homem? Ou alguma coisa mudou?
Uma coisa é clara: é na transição de "Joseph Ratzinger" para "Bento XVI" que a história desse pontificado será escrita. Todo Papa é dois homens. Isso é assim porque todo Papa tem dois nomes. Esse Papa foi Joseph Ratzinger (assim como os anteriores foram Karol Wojtyla, ou Eugenio Pacelli). Agora ele é Bento XVI (e Wojtyla foi João Paulo II, e Pacelli foi Pio XII). Como homens, eles têm o nome que seus pais lhes deram, o nome que eles carregaram quando crianças, seu nome de batismo; como sucessores de Pedro, eles têm um novo nome, o nome escolhido no momento da eleição para o trono papal.
O que isso significa? Significa que há uma tensão dentro de cada pessoa que assume o trono de Pedro, uma tensão na encruzilhada de sua realidade mais íntima: seu nome. Todo Papa era um homem; agora é outro.
Como Joseph Ratzinger, esse Papa teve uma identidade muito particular. Ele era um alemão, da Bavária, filho de um policial antinazista, que cresceu sob o totalitário regime nazista, na Igreja pré-conciliar. Ele foi um teólogo que estudou Agostinho e Boaventura, que trabalhou no Concílio Vaticano II na força e paixão de sua juventude, que se tornou professor, depois bispo, depois cardeal e, de fato, foi provavelmente o mais influente de todos os cardeais na Igreja por quase um quarto de século.
E então, em 19 de abril de 2005, poucos dias antes de seu 78.º aniversário, ele mudou de nome. Ele não era mais Joseph; ele era Bento. E o 16.º numa longa linhagem de Bentos.
Tem havido um silêncio notável em Roma nos últimos nove meses. O círculo íntimo do novo Papa é bastante pequeno e coeso. Não houve "vazamentos" neste pontificado .
Então, o que está se passando? Bento está "vestindo" seu novo nome. Ele tem estado se adaptando à mudança dramática que ocorreu com sua identidade em 19 de abril. (Um modo como ele tem feito isso é rezando o rosário diariamente com seu secretário particular.) Ele não é mais Joseph Ratzinger, mas Bento. Ele está se tornando Bento para si mesmo, e se tornará Bento perante nossos olhos durante 2006 e depois. Todos nós logo veremos quem Bento realmente é.
Quais são os problemas que Bento enfrenta? São muitos, mas ainda assim, em última instância, redutíveis a um só: a fé. Ensinar a fé. Testemunhar a fé. Crer em Cristo, pregar essa crença, viver essa crença. Todos sabemos as conseqüências da perda da fé: egoísmo, pecado, crueldade, opressão, sofrimento, divisão, choro, raiva, morte. E assim, para qualquer um que ame a Deus e ao próximo, a cura para as dores deste mundo é evidente: a fé. Os resultados da fé são igualmente claros: generosidade, sacrifício de si, afabilidade, misericórdia, paz, unidade, serenidade, risada saudável, amor, vida.
O "plano" geral do pontificado de Bento não pode ser outra coisa senão isso -- assim como é o plano geral de todos os Papas: preservar a fé. Defender a fé. Confirmar os outros na fé.
Os muitos problemas na Igreja, e no mundo, que nos preocupam a todos -- problemas econômicos, dívidas, pobreza; problemas políticos, tensões internacionais, guerras e rumores de guerras; problemas particulares, doença, tristeza, solidão; problemas eclesiais, a ruptura de votos, a difusão de pecados -- todos esses problemas só podem ser enfrentados a partir do fundamento da fé entregue a nós desde o início.
Nesta edição, escolhemos Bento como nosso "Homem do Ano" porque é ele que todos os Católicos agora esperam que ensine a fé, pregue a fé, defenda a fé, isto é, seja o Vigário de Cristo na terra.
E nós escolhemos outros nove homens e mulheres para completar nossas "Dez Pessoas Principais de 2005", pessoas que, cada qual a seu modo, estão dando testemunho, não de modo perfeito mas de modo verdadeiro, daquela fé que é a esperança do mundo e da humanidade.
A fé está fraca? Sim. Mas na fraqueza há humildade, e na humildade há o germe da força.
Há guerras pelo mundo? Sim. Mas também há pacificadores, e por meio da fé e da perseverância na fé, aqueles que trabalham pela paz não cessarão seus esforços.
Pecados sexuais são cometidos? Sim. Mas há também aqueles que lutam pela pureza, que buscam a castidade, e estes prestam um testemunho poderoso a este mundo degradado.
A Igreja descarrilhou-se? Humanamente falando, estamos em dificuldades . Muitas igrejas paroquiais estão fechando, há muitos padres em pecado, muitos cristãos tíbios, muitas crianças sem receber outra educação que a dos jogos de computador mundanos, muitos idosos aos quais não se proporciona dignidade, e alguns dos fiéis mais apaixonados parecem arrogantes, intolerantes, sem caridade. De modo que a Igreja parece, de fato, estar passando por uma "noite escura" coletiva.
Nessa "noite escura" chegou o Papa Bento. Caberá a ele fazer brilhar a luz da fé na atual escuridão.
- Dr. Robert Moynihan

Autor: Marcus Moreira Lassance Pimenta
Fonte:
Tradução: www.montfort.org.br